sexta-feira, 1 de dezembro de 2017

O Medo de Conhecer

Parte I

Abri os olhos. Nada. Comecei a piscar, olhando em volta para qualquer coisa na imensa escuridão que me cercava. Nada. Um pequeno arrepio em forma espiral senti em minha coluna vertebral. “Onde eu estou?” Eu me perguntava em pensamento.
O ar frio chocou-se contra mim, enquanto eu lentamente entrava em pânico. A realidade chocou-se contra mim, um horror incrível instalou-se dentro de mim.
Eu não sabia onde eu estava. Não sabia quem eu era. Comecei a pensar no passado, mas acabei por encontrar apenas um espaço vazio. Minha memória era difusa, e eu só podia me lembrar vagamente de raras coisas. Comecei a procurar qualquer tipo de explicação no fundo da minha mente. Tentei pensar em minha personalidade. Alguém que eu conheça quis me colocar nesta situação? Que tipo de cara eu era antes disso?
Tentei gritar para quem estivesse à distância, mas só um gemido conseguiu escapar da minha garganta. Tossi, mas minha garganta estava incrivelmente seca, e apenas uma voz minúscula e raspada conseguiu falar.
Movendo minhas mãos para descobrir o que me cercava, eu só consegui acertar um pouco de sujeira e algo de metal ... algo ... afiado. Eu só podia sentir uma parede, coberta de musgo, mas parecia que todas as outras paredes estavam fora do meu alcance.
Na minha tentativa de me levantar, descobri que fui algemado a alguma coisa ... talvez um poste de madeira? Não importava, pois eu parecia estar muito fraco para ficar de pé. Eu caí de joelhos, fiquei descansando na sujeira e na pedra.
Eu estava travado. Enquanto eu deitava na sujeira, comecei a perceber que eu ficaria preso ali mais do que pensava. Eu estava sozinho, apenas com a companhia dos meus próprios pensamentos. Eles pareciam ser o meu pior inimigo no momento. Minha imaginação estava a mil cheia de idéias para explicar o que estava acontecendo, cada uma em pior do que a última. Que vida dolorosa era aquela!
Comecei a procurar novas idéias na parte de trás do meu cérebro, mas desisti e fui para uma coisa muito mais simples de pensar. “Onde diabos eu estava?”.
A primeira resposta que veio à minha mente não era agradável. “E se eu estiver morto? Esta é a vida após a morte? Sozinho em uma sala, por toda a eternidade? Apenas para sentar aqui, até que seus próprios pensamentos me destruam? Ou talvez, este seja o inferno.” Então, a questão voltou para mim, que tipo de pessoa eu era antes disso? Comecei a me olhar, mesmo sem poder me enxergar na escuridão e me pus a pensar. “Eu era uma pessoa que merecia isso? E se eu fosse? Eu poderia ter sido tão ingrato, que meu destino deveria estar preso em uma caixa? E se um maníaco me atacasse aqui?”
Embora pareça improvável, meus pensamentos pularam para conclusão após conclusão sobre o porquê de eu estar preso. Meu pior medo foi percebido quando coloquei minha mão no meu peito. Sangue.
Comecei a entrar em pânico, minhas pupilas dilataram ainda mais quando percebi que o sangue era meu. Estava a saindo do meu estômago. Eu tinha uma ferida incrivelmente grande. Uma ferida de facada.
Foi um corte limpo na minha parte inferior do estômago. O sangue não estava saindo rápido, mas era apenas o suficiente para absorver minha camisa. Havia sido recente. De repente, ambas as teorias começaram a fazer sentido. De repente, pareceu que a verdade estava a caminho de mim. De repente... Eu não queria saber a verdade.
“Se eu realmente estiver morto, eu tenho que me sentar aqui para a eternidade? Que tipo de vida é essa? E se um assassino me prendeu aqui, esperando o momento certo para me atingir? E se eu estivesse louco, e esse seja o método deles de me curar?!”
Se eu estivesse louco, por que eu estaria nesse tipo de condição? No momento, tudo parecia possível. Tenho certeza de que eu estava enlouquecendo. Comecei a me sentir apertado, apesar de todo o espaço ao meu redor. Eu não podia respirar, como se meu pânico estivesse me agarrando na garganta.
Isso realmente foi um tormento infinito. Eu sabia no momento que aquilo acabaria sendo o meu destino. Foi o castigo final. Nossa própria mente sempre será o nosso pior inimigo. Eu coloquei minha cabeça na pedra. Agora, tudo o que realmente importava era que eu ia morrer ali. Comecei a chorar, um gemido ecoando pelo corredor.
Eu tentei pensar sobre a minha vida, aquilo foi duro e difícil. “Foi uma boa vida?” Para mim, parecia que vivi minha vida inteira, sem notar o fato de que a morte estava à espreita por todos os cantos. Nunca mais poderei apreciar o que eu tinha. Eu simplesmente ignorei todas as coisas boas da minha vida e sempre quis mais. Pergunto-me se eu realmente fui bem sucedido, ou se alguém me amou, ou se eu tinha uma família. Eu só queria mais uma chance para tentar dar valor ao que eu tinha, ser grato por tudo, pois eu nunca havia pensado nisso até que a minha vida chegasse a esse ponto, o ponto que poderia ser o final, ali vi que eu precisava ter fé no sobrenatural, o sobrenatural realmente poderoso, o ser que pudesse resolver tudo em um piscar de olhos. "Mas será que eu mereço escapar disso? Eu nem sei quem sou!" Pensei. E decidi ter fé, acreditar que eu teria ajuda direta ou indireta do sobrenatural perfeito, que é Deus. 
Tentei não pensar sobre o resto. Se eu tivesse uma família, eles ficariam preocupados. Uma dor aguda começou a se formar no meu estômago. Em minha mente, eu sabia que tinha alguém para eu voltar. Não consegui desistir; as pessoas estavam preocupadas comigo, certo? Alguém lá fora tinha que estar procurando por mim. Eu precisava sair daqui. Eu precisava voltar para a minha vida, descobrir quem eu era e ser o melhor que eu pudesse ser. Naquele momento, eu não me importava se estivesse morto ou insano, ou mesmo sendo mantido em cativeiro, eu só precisava sair. Eu tinha uma vida para viver, uma vida para completar. A morte foi o meu pior medo, e não iria deixá-lo agarrar-me.
Comecei a puxar minha corrente, tentando seguir para frente, mas foi inútil. Eu não me importaria com a verdade, e não tinha medo disso. A verdade é algo que nunca podemos evitar, e vamos ter que viver, por mais horrível que seja ela, teremos de enfrentar.
Eu não estava ignorando a horrível verdade em minha vida. Tentando evitar aquela grande gota de horror negra que estava escondida na minha frente o tempo todo. Gostei de ficar em uma terra de fantasia, imaginando que todos os problemas acabariam por desaparecer e eu continuaria a minha vida. Eu acho que todos nós fazemos isso. Foi uma ideia que funcionou. Geralmente, esta é uma ideia que nos faz seguir em frente até o dia em que não funciona. A verdade me confrontou. Hoje foi esse dia para mim. Eu ia escapar e enfrentar a verdade em meus próprios termos, a fantasia não funcionava mais, apenas a fé, felizmente ela é mais poderosa, pena que eu não a senti tão fortemente antes.
Mesmo que aquilo fosse Inferno, ou o porão de um psicopata, tinha que haver uma saída. Mesmo que fosse mais um tormento, qualquer coisa era melhor do que aquilo.
Quando puxei uma última vez, soltei um grito de dor. Minha perna começou a queimar de agonia, e meu peito começou a explodir de dor também. A dor foi uma onda repentina de agonia, e não pude aguentar.
Comecei a perceber que meu tornozelo estava torcido. Ele estava em um estado que me causava uma dor inimaginável. Eu fiz aquilo comigo mesmo, por acidente ou não, ou talvez tenha sido trabalho de outra pessoa?
A dor então começou a se tornar incrivelmente insuportável. Tudo parecia que estava em chamas. Não aguentava mais, então comecei a sucumbir ao tormento. “Não”, comecei a pensar comigo mesmo. “Não!”
De repente, comecei a sentir-me tonto e bastante leve. Senti minha visão ficar embaçada, mesmo que tudo estivesse escuro. Comecei a perceber que não conseguiria continuar. Eu tinha desistido tão facilmente, não era eu que há poucos segundos procuraria uma saída daquele lugar, seja lá o que aquilo fosse? Eu repouse no chão uma última vez e comecei a sucumbir. Parecia que estava flutuando.
Flutuando através da escuridão, como no espaço, escuro e sem gravidade. Vazio e sem chances de escapar do porvir definhar à míngua.
Quando acordei, tossi e cuspi sangue. Eu não sabia o que estava acontecendo comigo. Tudo parecia tão ... doloroso. Eu me senti como uma bola gigante de agonia a caminho da escuridão. Eu nem conseguia sentir o chão, mesmo estando caído sobre ele.
Por momentos, senti que podia ver alguém. Um homem que abria uma porta, olhando-me com uma faca na mão. Não consigo mais diferencia o que é minha imaginação e o que é a realidade. Tudo parece um borrão agora.


Fonte do Gif: http://rebloggy.com

Eu vi as bolas de luz no canto do meu olho. Eu sabia que eles estavam lá. Eu não ia fingir que eram apenas minha imaginação. Eu podia vê-las. Eu podia ouvi-las. Eles me falavam sobre a morte. Elas me diziam que eu iria morrer.
As minhas mãos eram pura agonia. Eu as sentia se contorcer em cima do meu rosto, e nem mesmo podia vê-las naquela tortura, mas as imaginava como convulsionantes, e também cadavéricas. Eles estão me perturbando, não sei quem são, mas estão perto ou dentro de mim. Até consigo ouvir os sussurros. Sussurros horríveis e indescritíveis que chegam às minhas orelhas ou direto à minha mente, plantando idéias dentro da minha cabeça.
Fonte do Gif: http://garotapossuida.tumblr.com/

Levou algum tempo para se acostumar às cobras e aos insetos que tinham ali, mas isso não quer dizer que não eram irritantes e perturbadores.
É impossível acompanhar o tempo. Minha mente me diz que foram algumas horas, mas parece que meses se passaram me mantendo aqui cativo. Imagine ficar na escuridão por meses. Apenas imagine. Pense em como os seus pensamentos podem fazer com você. Pense sobre isso. Basta pensar nisso.
Surpreende-me com que rapidez desisti. O que, uma vez, pareceu ser uma tarefa simples, correr, fugir, agora parecia um sonho impossível.
Eu tinha razão. Minha imaginação era meu pior inimigo. Às vezes eu deitava ali, desejando que eu morresse, mas no fundo, eu sei que não é era verdade. A verdade é que nenhum de nós realmente quer morrer. Todos dizemos que podemos aceitar a morte, mas, honestamente, todos temos medo ou, no mínimo, temos um vontade de permanecer aqui, tentando melhorar a nossa situação ou a de alguém. Temos o medo de saber. Não queremos a verdade, não precisamos da verdade. Prefiro ser feliz, preso em nossa própria terra de fantasia. Apenas algumas horas atrás, pensei que não havia nada para ter medo. Agora eu sei que há algumas coisas no mundo que precisamos ignorar, enterrar dentro do nosso subconsciente e continuar a vida sem ele, superar nossas falhas, concertando-as, perdoando e deixando no esquecimento o que nos faz mal.
A verdade é aterrorizante. Nunca devemos saber a verdade. Será que estou errado? Será que precisamos entender a verdade ou ao menos vir a conhecê-la? Preso aqui, eu deveria saber. "Eu não quero morrer", pensei. "Eu não quero morrer!" Eu repeti na minha cabeça. Respirei fundo enquanto as lágrimas correram pelo meu rosto.
Eu podia ver a luz, eu realmente podia ver aquilo. Uma luz vermelha incandescente no final de um túnel.
Imagem Adaptada de Wikimedia Commons

“Fechei os olhos e estava pronto para abraçar a morte. O que aconteceu, aconteceu, seja do meu agrado ou não”, me confortei. Eu não sabia quem eu era originalmente, mas no momento, não importava. Honestamente, não importava.
Imagem Adaptada de Wikimedia Commons

Eu teria que enfrentar a morte, naquele momento. Todos nós teremos que enfrentar a morte algum dia. Ninguém pode negar isso. É apenas parte da verdade. Fiquei espantado com o quanto eu descobri na minha agonia. Mesmo que eu não soubesse de quem era originalmente, senti que tinha aprendido algo sobre mim.
Imagem Adaptada de Wikimedia Commons
Eu estava pronto para morrer. Minhas mãos apertadas, um rumor acontecendo ao meu redor, tudo parecia diferente, até que acontecesse. Honk. “O que é que foi isso?”, pensei. Honk. Comecei a lembrar que ouvi esse som antes... Em algum lugar da minha mente.
Hoooooonnnnnk.
Era um ... um ...
Hooooonk.     
Imagem Adaptada de Wikimedia Commons
__________________________________________________  Parte II
Tive a sorte de sair a tempo. O maestro conseguiu me ver antes de eu ser rasgado em pedaços. Foi um milagre, não sorte.
O que aconteceu nos túneis me mudou. Não consigo olhar para nada do mesmo jeito agora. Não depois do que eu tive que me sentar, aliviado depois de tudo ter passado e eu ter continuado vivo.
Na minha fuga, os policiais me levaram para o lado e buscaram evidências em mim e no local do ocorrido. Eles não tinham qualquer indício sobre o que aconteceu.
Foi uma grande surpresa para todos. Fui às pressas para o hospital, onde eles trataram a ferida e meu tornozelo durante algumas semanas.
"Que sortudo você é", eles disseram. "É incrível que você ainda esteja vivo", eles diziam. Com toda a honestidade, não era um homem de sorte.
Os policiais me levaram ao interrogatório, mas eu provei não ser uma ajuda. Eu servi o tempo de prisão por algumas semanas, como por ter participado de um pequeno crime na minha vida passada, digo, na minha vida antes do incidente.
Dentro da prisão, eu descobri que eu era sem-teto, na minha vida passada. Os policiais me prometeram que eles me ajudariam a recomeçar a vida, mas eu não acreditava em nenhuma palavra dessa porcaria. Irá levar anos de aconselhamento para eu voltar ao normal.
A pior parte disso, são os pesadelos. À noite, ainda sinto mãos se retorcendo e vindo em minha direção na escuridão. Eu ouço o buzina do trem em uma repetição quase infinita, como se fosse agora o momento em que eu seria decepado pelo trem. Os policiais também concluíram que alguém precisava ter me esfaqueado. Alguém que me queria morto.
Enquanto ando pelas multidões, hoje, sinto que ele está lá. Posso ver os olhos e, às vezes, sentir que ele me segue. Nunca posso ter certeza. Ele ainda pode estar lá fora. Eu sei que ele está lá fora. Os policiais me dizem que não há nada com que se preocupar, mas eu o vejo em todos os lugares agora.
Fonte da Imagem: https://twitter.com/adhamsharkawi

Eu o vejo no supermercado, eu o vejo no meu próprio apartamento. Eu não posso mais sair de casa, já que parece que ele está sempre a dois metros de distância, mas se eu ficar aqui, estarei sozinho com ele, não sei o que fazer. Ele pode estar bem atrás de mim.
Eu sentia que ia acontecer de novo. Não queria nem pensar em acabar em uma situação como aquela novamente. Todos os que estão lá fora parecem estar planejando me pegar.
Eu pensei que fugir me daria uma nova vida, um novo caminho para caminhar, mas isso só me transformou em uma loucura paranoica. Uma vez pensei em aprender algo sobre o que houve túnel, mas eu só aprendi que somos os nossos piores inimigos, se não formos controlados, se não tivermos força de vontade o suficiente para suportar a dor e vencer o problema.
Não sei por que acabei no túnel, e talvez eu nunca saiba por quê. Mas, honestamente, não quero saber a verdade.
Felizmente, consegui suportar toda a minha imaginação louca que estava me derrubando na cova da morte antes mesmo de o trem chegar do leste até mim, felizmente o Criador fez com que as regras do universo me ajudassem naquele instante, creio que eu tenha algo a fazer, algo bom, por isso agora preciso aproveitar a vida de forma correta, mas antes disso, preciso descobrir como vencer essa paranoia, pois eu sei que é impossível que todas as pessoas queiram me pegar, pois quase todas elas nem ao menos sabe quem eu sou. 
Certamente vencerei essa fobia. Não são as dificuldades que nos tornam mais fortes?
Fonte da Imagem: https://faizmills.wordpress.com/2011/05/29/life-lessons-you-can-learn/

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Créditos e Licença

Creepypasta traduzida livremente, adaptada e modificada por DMSF a partir da obra original "The Fear of Knowing", a qual fora escrita e postada no site Creepypasta wikia (http://creepypasta.wikia.com/wiki/The_Fear_of_Knowing) por Tin77 (http://creepypasta.wikia.com/wiki/User:Tin77), sob licença CC BY-SA 4.0 (https://creativecommons.org/licenses/by-sa/4.0/). A versão da Creepypasta publicada no Blog Arte do Horror, mantém a licença de uso e distribuição CC BY-SA 4.0.

Uma Mensagem Importante (Por favor, leia)

Em nossa vida, enfrentamos sempre dificuldades, tragédias, traumas. Isto é, além das coisas boas da vida, também há coisas ruins. Se você se pergunta porque Deus deixa isso acontecer, te respondo: o livre arbítrio dado a nós por Deus, faz com que possamos não apenas escolher o que quisermos, mas nos obriga a enfrentar as consequências de nossas escolhas, essas consequências podem afetar a outras pessoas, por isso muitas vezes os inocentes pagam por aqueles que escolhem o erro. Mas não se preocupe, Deus protege os inocentes e ele recompensará àqueles que forem injustiçados, Deus é justo. Existem também as provações, que são situações difíceis, mas que nos fazem crescer, existem para que possamos amadurecer, elas são um tipo de treinamento para ficarmos mais fortes após vencermos as dificuldades, os problemas. 
Há ainda aquele tipo de situação que não entendemos, situações terríveis que não conseguimos explicar, mas temos de pensar o seguinte: somos criação de Deus e Ele é perfeito e infinito, nós somos imperfeito e finitos e , também sabemos que Ele é um ser maravilhoso, bondoso e misericordioso, que nos ama e quer sempre o nosso bem, então o que podemos supor é que essas situações incompreensíveis à nossa rede neural são necessárias para um plano maior, um plano de Deus, mesmo que não possamos entender, mesmo que sejam dolorosas demais algumas situações, elas fazem parte do plano de Deus, mas também devemos saber que tudo contribui para o bem daqueles que amam a Deus e que a justiça dele não falha, assim todos aqueles que sofrerem inocentemente serão recompensados por Deus. Assim, o sofrimento de hoje é apenas um treinamento duro para te deixar melhor, mais capaz e forte no futuro. 
Não podemos entender tudo o que acontece, pois não temos a capacidade de Deus, por acaso os animais de estimação entendem as dores que sentem quando estão em um procedimento no centro veterinário? Não, pois eles não entendem tanto quando o médico veterinário sobre a situação que o causa dor, mas sabemos que o veterinário apenas está tentando curar o pobre animal de uma situação que pode ficar pior ou até mesmo o levar à morte. Então pense sempre nesse texto quando estiver passando por algo ruim, pois você certamente sairá melhor, crescerá, depois de resolver aquela dificuldade, aquela problemática; mas tenha fé e persevere, lembre-se disto, é o essencial, sem fé não é possível encontrar o caminho certo para a felicidade verdadeira – a vida que Deus tem para você. 
“Meus irmãos, considerem motivo de grande alegria o fato de passarem por diversas provações, pois vocês sabem que a prova da sua fé produz perseverança. E a perseverança deve ter ação completa, a fim de que vocês sejam maduros e íntegros, sem lhes faltar coisa alguma.” (Tiago, 1:2-4).
“E sabemos que todas as coisas contribuem juntamente para o bem daqueles que amam a Deus, daqueles que são chamados segundo o seu propósito.” (Romanos, 8:28).



Fonte da Imagem: http://truthbook.com/jesus-pictures/http://truthbook.com/jesus-pictures/precious-in-his-sightprecious-in-his-sight

Parabéns pelo seu interesse em conhecer uma nova (hi)(e)stória e em aprender algo novo, volte sempre.

Deus seja louvado!!!

DMSF.

sexta-feira, 22 de setembro de 2017

A Tumba - H. P. Lovecraft [Contos de Terror]

"The Tomb To Die For" by R.J. Ivankovic


A Tumba (The Tomb) foi a primeira ficção escrita por Howard Phillips Lovecraft após tornar-se adulto. Esse conto foi escrito no verão de 1917, mas foi publicado pela primeira vez em 1922, na revista The Vagrant, em sua edição de março daquele ano.
O conto trata de um relato de Jervas Dudley, que encontra-se em um lugar como consequência de atividades bem peculiares e fora do comum, mas principalmente por conta de um episódio em particular que tornou-se o estopim para a mudança de sua vida, a qual sempre dotou-se de diversos desejos e ímpetos que flertam com o sobrenatural e que às vezes, mesmo que não totalmente revelado pelo narrador, mostra-se profundamente além do natural ou normal para os olhos daqueles se limitam pela sua mente comum.
O ambiente é repleto de referências mitológicas, com menções à cultura erudita clássica, o enredo bem envolvente e passível de curiosidade encaminha o leitor a um clímax muito bem trabalhado que culmina no estado no qual se encontra o narrador desde o início da estória.
Um excelente conto do grande gênio da literatura fantástica e inspirador para grandes escritores e amantes do gênero.
IMPORTANTE: Por favor, leia a mensagem após o conto.

Dados Técnicos
Nome Original: The Tomb.
Autor: Howard Phillips Lovecraft.
Tradutor (da versão aqui postada): Renato Suttana.
Narrativa: Primeira pessoa.
Período de escrita: Verão de 1917.
Primeira Publicação: Março de 1922.
Veículo da Primeira Publicação: Revista The Vagrant.
Personagens: Jervas Dudley, pai de Jervas, espião e Hiram.
Gênero: Literatura fantástica. 
Situação de Direitos Autorais: Domínio Público.

Leia agora o conto completo. Desfrute, entusiasta horror!


A Tumba

 H. P. Lovecraft (1917).
Tradução: Renato Suttana.

Ao relatar as circunstâncias que conduziram ao meu confinamento neste asilo de loucos, tenho consciência de que minha posição atual criará dúvidas naturais acerca da autenticidade de minha narrativa. É grande infortúnio o fato de que o grosso da humanidade seja limitado demais, em sua visão mental, para pesar com paciência e inteligência esses fenômenos isolados, vistos e sentidos apenas por uma minoria psicologicamente sensível, os quais jazem fora de toda experiência comum. Homens de intelecto mais amplo sabem que não existe nenhuma distinção precisa entre o real e o irreal; que todas as coisas aparecem como tais apenas em virtude dos delicados meios psíquicos e mentais de cada indivíduo, por meio dos quais nos tornamos conscientes delas; mas o materialismo prosaico da maioria reputa como loucura os lances de visão superior que perfuram o véu comum do empirismo óbvio.
Meu nome é Jervas Dudley, e desde a mais tenra infância tenho sido um sonhador e um visionário. Rico para além das necessidades de uma vida comercial, e de um temperamento inapto para os estudos formais e o recreio social daqueles com quem me relaciono, tenho lidado desde sempre em reinos que não pertencem ao mundo visível, passando minha juventude e minha adolescência debruçado sobre livros antigos e pouco conhecidos e a percorrer os campos e bosques das cercanias de meu lar ancestral. Não creio que o que li nesses livros ou vi nesses campos e bosques fosse exatamente o que os outros rapazes leram e viram ali, mas sobre isso preciso falar pouco, pois que discorrer mais detalhadamente apenas confirmaria essas calúnias cruéis acerca de meu intelecto que às vezes ouço sussurrarem os atendentes furtivos que me rodeiam. Basta-me relatar os eventos, sem analisar as causas.
Disse que vivi afastado do mundo visível, mas não disse que vivi sozinho. Isso nenhuma criatura humana poderia fazer, desde que, à falta da camaradagem dos vivos, inevitavelmente se entra na companhia de coisas que não são – ou não mais estão – vivas. Próximo à minha casa existe um vale arborizado bastante singular, em cujas profundezas crepusculares eu passava grande parte de meu tempo a ler, a pensar e a sonhar. Pelas suas encostas cobertas de musgo ensaiei meus primeiros passos de infância, e em volta de seus carvalhos grotescamente retorcidos se teceram minhas primeiras fantasias de juventude. Conheci as dríades dessas árvores e não raro assisti às suas danças selvagens sob os raios vacilantes de uma lua pálida, mas acerca dessas coisas não devo falar agora. Falarei apenas da tumba solitária em meio ao matagal mais escuro do declive – a tumba abandonada dos Hydes, uma velha e nobre família cujo último descendente direto fora depositado em seus negros recessos muitas décadas antes de eu nascer.
O pórtico a que me refiro é feito de granito ancestral, lavado e descolorido pelas névoas e pela umidade de muitas gerações. Escavada na encosta, apenas a entrada da construção é visível. A porta – uma pesada e proibitiva laje de pedra – pende de dobradiças de metal enferrujado e, ligeiramente aberta, jaz lacrada por pesadas correntes de ferro e cadeados, de acordo com um repulsivo costume de meio século atrás. A residência do clã cujos descendentes estão enterrados aqui coroou certa vez o declive no qual está a tumba, mas há muito tombou vitimada pelas chamas que desceram do céu na forma de um relâmpago. Daquela tempestade que à meia-noite destruiu essa lúgubre mansão os habitantes mais velhos da região às vezes falam entre sussurros e inquietações, aludindo ao que chamam de “ira divina” de um modo que nos últimos anos fez crescer vagamente o fascínio que eu sentia pelo sepulcro encravado na mata. Um homem apenas pereceu no fogo. Quando o último dos Hydes foi enterrado neste local de sombra e quietude, a triste urna de cinzas veio de uma terra distante, para a qual a família se mudou quando a mansão pegou fogo. Não resta ninguém para colocar flores diante do portal de granito, e muito poucos se dão ao trabalho de enfrentar as sombras depressivas que parecem guardar estranhamente as pedras lavadas pelas chuvas.
Jamais esquecerei aquele entardecer em que, pela primeira vez, me deparei com a semioculta casa da morte. Foi em pleno verão, quando a alquimia da natureza transmuda a paisagem silvestre numa única e quase homogênea massa de verde, quando os sentidos estão quase intoxicados com os mares afluentes de verdura úmida e os odores sutilmente indefiníveis do solo e da vegetação. Numa tal ambientação a mente perde suas perspectivas, o tempo e o espaço tornam-se triviais e irreais, e ecos de um esquecido passado pré-histórico batem insistentemente contra a consciência enlevada.
Durante o dia todo eu tinha estado a perambular através dos bosques místicos do vale, a conceber pensamentos que não há que discutir e a conversar com coisas que não há que nomear. Com apenas dez anos, eu tinha visto e ouvido muitas maravilhas que a turba desconhecia e já era espantosamente maduro em certos aspectos. Quando, depois de abrir caminho entre duas touceiras de arbustos, subitamente deparei com a entrada da cripta, não tinha o menor conhecimento acerca do que encontrara. Os blocos negros de granito, a porta curiosamente semicerrada e os entalhes funerais sobre o arco não despertaram em mim quaisquer associações de caráter fúnebre ou terrível. Sobre sepulturas e tumbas eu sabia e devaneara bastante, mas fora poupado, devido ao meu temperamento peculiar, de todo contato com adros e cemitérios. A estranha casa de pedra escondida entre o mato na encosta constituía para mim apenas uma fonte de interesse e especulação, e seu interior frio e úmido, para dentro do qual eu espiava através da excruciante abertura, não me sugeria nada de morte ou decadência. Mas naquele instante de curiosidade nasceu o desejo loucamente irracional que me trouxe até este inferno de confinamento. Espicaçado por uma voz que deve ter vindo da alma medonha da floresta, tomei a decisão de penetrar na escuridão que me convocava, a despeito das pesadas correntes que impediam minha passagem. Na luz evanescente do dia chacoalhei insistentemente os obstáculos enferrujados, na esperança de abrir a porta de pedra, e até mesmo experimentei espremer meu corpo magro através do pouco espaço disponível, mas essas tentativas não surtiram efeito. Curioso no início, tornei-me frenético e, quando ao anoitecer retornei a casa, jurara aos cem deuses da mata que a qualquer custo um dia haveria de forçar minha entrada nas profundezas escuras e gélidas que pareciam me chamar. O médico de barba grisalha que todos os dias vem até meus aposentos certa vez disse a um visitante que essa decisão marcou o começo de uma lamentável monomania; mas deixarei o julgamento final a cargo de meus leitores, depois que souberem de tudo.
Os meses subseqüentes à minha descoberta foram gastos em tentativas fúteis de forçar o complicado cadeado da cripta semicerrada, bem como em perquirições cuidadosas e vigilantes acerca da natureza e da história da construção. Com os ouvidos tradicionalmente receptivos de um menino, aprendi muito, embora uma discrição habitual não me permitisse contar a ninguém sobre o meu conhecimento ou minha resolução. Será talvez importante mencionar que não fiquei nem um pouco surpreso ou aterrorizado com a natureza do pórtico. Minhas idéias bastante originais acerca da vida e da morte tinham me levado a associar, de maneira vaga, a argila fria com o corpo que respira, e senti que a grande e sinistra família da mansão incendiada estava de algum modo dentro do espaço de pedra que eu procurava explorar. Lendas murmuradas acerca de ritos exóticos e festins pagãos de épocas passadas, ocorridos dentro do vestíbulo ancestral, despertaram em mim um novo e irresistível interesse pela tumba, em frente a cuja porta eu me sentaria durante horas diariamente. Um dia acendi uma vela diante da entrada obstruída, mas nada pude ver a não ser um lance descendente de degraus de pedra úmida. O odor do lugar me repelia e ao mesmo tempo me enfeitiçava. Sentia como se já o tivesse conhecido num passado remoto, anterior a toda lembrança, anterior mesmo à habitação deste corpo que agora possuo.
No ano seguinte àquele em que vi a tumba pela primeira vez, deparei-me, no sótão cheio de livros de minha casa, com uma tradução corroída das Vidas de Plutarco. Ao ler a vida de Teseu, fiquei por demais impressionado com a passagem em que se fala da enorme pedra sob a qual o menino herói haveria de encontrar as pistas sobre seu destino assim que se tornasse adulto o suficiente para erguer o grande peso. A lenda teve o efeito de aplacar minha aguda impaciência em atravessar o portal, fazendo-me sentir que a hora ainda não chegara. Mais tarde – eu disse a mim mesmo – crescerei e adquirirei força e habilidade que me permitirão destrancar facilmente a porta que os grilhões encerram, mas até lá seria melhor me conformar com o que me parecia ser a vontade do destino.
Com efeito, minhas vigílias diante do portal úmido tornaram-se menos persistentes, e grande parte do meu tempo era despendida em outras atividades igualmente estranhas. Às vezes eu me levantava em silêncio durante a noite, saindo às escondidas para andar por esses cemitérios ou locais de sepultamentos dos quais meus pais me mantiveram afastado. O que eu fazia lá não posso dizer, pois agora não estou seguro de algumas coisas, mas sei que no dia seguinte a essas rondas noturnas eu costumava pasmar os que me cercavam exibindo conhecimento de assuntos quase esquecidos durante muitas gerações. Foi depois de uma noite dessas que surpreendi a comunidade com uma idéia inusitada acerca do enterro do rico e celebrado Squire Brewster, personagem da história local que fora sepultado em 1711 e cuja lousa, exibindo um crânio gravado e ossos cruzados, ia lentamente se transformando em pó. Num lance de fantasia infantil, aventei não somente que o coveiro, Goodman Simpson, teria roubado os sapatos de fivelas de prata, as calças de seda e as roupas de baixo de cetim do falecido antes do enterro, mas que o próprio Squire, não totalmente inanimado, teria se virado duas vezes em seu caixão coberto de terra no dia seguinte ao do sepultamento.
Mas a ideia de entrar na tumba nunca me saiu da cabeça, sendo mesmo estimulada pela inesperada descoberta genealógica de que minha ascendência materna mantinha um ligeiro vínculo com a supostamente extinta família dos Hydes. Último de minha raça paterna, eu era igualmente o último dessa linhagem mais antiga e mais misteriosa. Comecei a sentir que a tumba era minha e a esperar ansiosamente pelo momento em que poderia atravessar a porta de pedra e descer na escuridão por aqueles degraus de pedra lodosa. Adquiri o hábito de ouvir com atenção através da porta semiaberta, preferindo as horas da quietude noturna para essa estranha vigília. Quando adquiri mais idade, abri uma pequena clareira no matagal que recobria a face do declive, permitindo que a vegetação circundante cercasse e envolvesse a abertura como uma espécie de cerca viva selvagem. Essa clareira se tornou meu templo, a porta fechada meu santuário, e era aqui que eu me deitava sobre o solo musgoso a pensar estranhos pensamentos e a sonhar sonhos estranhos.
A noite da primeira revelação estava bastante abafada. Devo ter adormecido de cansaço, pois foi com uma clara sensação de despertar que ouvi as vozes. Hesito em falar desses acentos e timbres, não falarei de sua qualidade, mas posso dizer que apresentavam espantosas diferenças de vocabulário, pronúncia e modos de enunciação. Cada matiz dialetal da Nova Inglaterra, desde as ásperas sílabas dos colonos puritanos até a retórica precisa de cinqüenta anos atrás, parecia representado naquele colóquio sombrio, conquanto somente mais tarde eu notasse esse fato. Naquela hora, decerto, minha atenção foi desviada desse aspecto por um outro fenômeno – um fenômeno tão fugaz que eu não poderia jurar acerca de sua realidade. Mal me dei conta de ter despertado, uma luz foi imediatamente apagada dentro do sepulcro escuro. Não creio que fiquei perplexo ou apavorado, mas sei que fui transformado profunda e permanentemente naquela noite. Logo que voltei a casa, dirigi-me imediatamente a uma arca carcomida no sótão, onde encontrei a chave que no dia seguinte removeu com facilidade o obstáculo contra o qual me bati em vão durante tanto tempo.
Foi sob o brilho de um suave entardecer que entrei pela primeira vez na cripta da encosta abandonada. Como se enfeitiçado, meu coração vibrava de um contentamento que não sei descrever. Assim que fechei a porta atrás de mim e desci os degraus encharcados à luz de uma vela, era como se eu já soubesse o caminho, e embora a vela crepitasse na atmosfera sufocante do lugar, eu me sentia singularmente em casa naquele ar mofado e sepulcral. Olhando ao meu redor, avistei muitas lajes de mármore sustentando esquifes ou os restos de esquifes. Alguns estavam lacrados e intactos, mas outros se tinham quase desfeito, deixando apenas as alças de prata e as placas isoladas em meio a alguns montículos singulares de pó. Sobre uma das placas li o nome de Sir Geoffrey Hyde, o qual viera de Sussex em 1640 e morrera aqui uns poucos anos mais tarde. Numa alcova conspícua havia um caixão desocupado e bastante bem preservado, adornado apenas com um nome que me fez sorrir e estremecer. Um impulso inusitado me levou a subir na laje larga, a apagar minha vela e a me deitar dentro da caixa vazia.
À luz cinzenta da aurora cambaleei para fora da cripta e tranquei a corrente da porta atrás de mim. Já não era mais um jovem, embora apenas vinte e um invernos houvessem esfriado minha estrutura corpórea. Aldeões madrugadores que observaram minha caminhada até casa olhavam-me de maneira estranha e espantavam-se com os sinais de obscena euforia que descobriam num homem cuja vida era conhecidamente solitária e austera. Não compareci perante meus pais sem antes passar por um sono longo e restaurador.
Desde então passei a ir à tumba a cada noite, vendo, ouvindo e fazendo coisas que não devo jamais recordar. Meu modo de falar, sempre suscetível às influências do ambiente, foi a primeira coisa a sucumbir à mudança, e o arcaísmo de dicção que subitamente adquiri foi logo notado. Mais tarde, um atrevimento e uma audácia inesperados apareceram em meu comportamento, até que inconscientemente comecei a tomar os modos de um homem do mundo, não obstante meu passado de reclusão. Minha língua, silenciosa de costume, deslizava com a graça fácil e volúvel de um Chesterfield ou com o cinismo ateu de um Rochester. Passei a exibir uma peculiar erudição, totalmente distinta do saber fantástico e monacal sobre o qual me esfalfara em minha juventude, bem como a cobrir as guardas de meus livros com fáceis epigramas de improviso, os quais evocavam acentos de Gay, Prior e a engenhosidade vivaz dos augustanos. Certa manhã, durante o desjejum, cheguei à beira do desastre, ao declamar com acentos de efusão palpavelmente alcoólica de uma jovialidade setecentista, uma peça de jocosidade georgiana nunca registrada em livro, que dizia mais ou menos o seguinte:

Tragam aqui, meus rapazes, seus canecos de cerveja
E bebam ao dia de hoje, antes que já não mais seja.
Encham seus pratos de bifes, empilhando-os em montanha,
Pois só beber e comer é o que da vida se ganha.
Encham suas taças,
Pois a vida passa,
E depois ao rei e à amada não há quem um brinde faça.

O nariz de Anacreonte era vermelho, se diz;
Mas o que é um nariz vermelho quando se é alegre e feliz?
Melhor ser vermelho agora – Deus me castigue! – que estar
Branco como um lírio ou morto antes de o ano acabar!
Venha, Betty, em festa,
Beije-me na testa;
Filha de estalajadeiro no inferno não há como esta!

Que o jovem Harry ainda esteja de pé nos causa surpresa,
Logo há de perder a linha e entrar debaixo da mesa;
Mas encham bem suas taças, passem-nas de mão em mão,
Melhor embaixo da mesa do que debaixo do chão!
Que reine o festim,
Que bebam por mim:
Sob sete palmos de terra não se ri tão bem assim!

Que o diabo me carregue, se mal me agüento de pé
e, com todos os demônios, se de mim ainda dou fé!
Aqui, patrão, mande Betty chamar um carro, que eu vou
correr para casa, enquanto minha esposa não chegou!
Alguém me sustente,
Antes que eu me sente:
Que enquanto em cima da terra estou feliz e contente.

Por essa época é que adquiri meu medo atual ao fogo e aos temporais. Indiferente até então a tais coisas, tinha por eles agora um indizível horror e me retiraria para os recantos mais profundos da casa assim que nos céus se anunciassem quaisquer sinais de eletricidade. Um de meus abrigos favoritos durante o dia era o porão arruinado da mansão que se incendiara, e na imaginação eu reconstituía a estrutura tal qual teria sido em seus primórdios. Em certa ocasião, deixei pasmado um aldeão ao conduzi-lo secretamente até um sub-porão de teto baixo, de cuja existência eu parecia saber a despeito do fato de ele ter ficado oculto e esquecido por muitas gerações.
Por fim aconteceu o que eu há muito temia. Meus pais, alarmados com a alteração de maneiras e aparência de seu único filho, começaram a exercer sobre meus movimentos uma amável espionagem, a qual ameaçava resultar em desastre. Eu nada dissera acerca de minhas visitas à tumba, tendo guardado meu propósito secreto com zelo religioso desde a infância, mas agora me via forçado a ter cautela quando penetrava os labirintos da depressão brenhosa, não fosse estar sendo seguido às ocultas. Minha chave para a cripta eu a mantinha pendurada num cordão no pescoço, como um segredo que só eu conhecia. Nunca trouxe para fora do sepulcro qualquer das coisas que encontrei por entre aquelas paredes.
Certa manhã, quando saí da tumba úmida e prendi as correntes do portal com pouca firmeza, lobriguei numa macega próxima a face horrorizada de um bisbilhoteiro. Por certo o fim estava próximo, pois meu recanto fora descoberto e o objetivo de minhas jornadas noturnas fora revelado. O homem não me abordou, de modo que me apressei a chegar a casa, a fim de descobrir o que ele reportaria ao meu pai preocupado. Seriam minhas incursões para além da porta trancada reveladas ao mundo? Imaginem com que espanto deleitoso ouvi meu espião informar a meu pai, num cauteloso sussurro, que eu tinha passado a noite na clareira em frente à tumba, meus olhos baços de sono fixados na fenda da porta não de todo fechada! Que milagre ocorrera a ponto de iludir assim esse observador? Convenci-me de que um agente sobrenatural me protegera. Na audácia que tal circunstância, enviada do céu, me dava, passei a ir, sem nenhuma dissimulação, à cripta, na confiança de que ninguém testemunharia minha entrada. Durante uma semana provei à saciedade as alegrias daquele convívio sepulcral, o qual não descreverei, até que a coisa aconteceu e me vi arrastado para este maldito lugar de tristeza e melancolia.
Não devia ter me aventurado a sair naquela noite, pois indícios de trovões relampejavam nas nuvens e uma fosforescência infernal subia do pântano ao fundo do vale. Também o chamado dos mortos estava diferente. Em vez da tumba na encosta, era o demônio que presidia o porão chamuscado no topo da elevação que me acenava com dedos invisíveis. Quando saí de um matagal intermediário para o plaino diante da ruína, descobri sob o luar nebuloso uma coisa pela qual sempre esperara vagamente. A mansão, destruída havia um século, mais uma vez se erguia no alto como uma visão arrebatadora, todas as janelas a brilhar com o esplendor de muitas velas. Pela longa estrada rodavam as carruagens da elite de Boston, enquanto a pé se aproximava um numeroso ajuntamento de janotas empoados, provenientes das mansões vizinhas. Misturei-me a essa multidão, conquanto estivesse certo de pertencer mais ao dos anfitriões que ao dos hóspedes. Para além do saguão havia música, gargalhadas e vinho em todas as mãos. Reconheci muitas faces, e as teria reconhecido melhor ainda se as visse ressequidas ou carcomidas pela morte e pela decomposição. Em meio a essa turba selvagem e estouvada, eu era o mais selvagem e o mais debochado. Alegres blasfêmias jorravam de meus lábios, e em chocantes gracejos eu desprezava as leis de Deus ou da natureza.
Súbito, o estrondo de um trovão, muito mais forte que a algazarra do imundo festim, rompeu o telhado e fez baixar um enorme silêncio sobre a companhia turbulenta. Línguas vermelhas de fogo e golfadas de calor ardente envolveram a casa, e os participantes, tomados pelo pavor de uma iminente calamidade que parecia transcender os limites da natureza desgovernada, fugiram aos gritos noite adentro. Somente eu permaneci, preso ao meu assento por um medo humilhante que nunca antes sentira. E então um segundo horror tomou conta de minha alma. Queimado vivo até às cinzas, meu corpo disperso aos quatro ventos, eu nunca poderia jazer no túmulo dos Hydes! Não estava meu caixão já preparado para mim? Não tinha eu o direito de descansar até a eternidade entre os descendentes de Sir Geoffrey Hyde? Ai! eu exigiria minha herança de morte, mesmo que minha alma vagasse através das eras à procura de uma nova habitação corpórea, que a representaria sobre aquela laje desocupada na alcova da cripta. Jervas Hyde não deveria jamais compartilhar do triste destino de Palinuro!
Quando o fantasma da casa incendiada desapareceu, encontrei-me a gritar e a me contorcer loucamente nos braços de dois homens, um dos quais era o espião que me seguira até a tumba. A chuva caía torrencialmente, e sobre o horizonte, na direção sul, viam-se os clarões dos relâmpagos que há pouco tinham passado sobre nossas cabeças. Meu pai, a face transtornada de pesar, estava ao lado, enquanto eu ordenava aos berros que me colocassem na tumba, admoestando freqüentemente os meus capturadores para me tratarem com a máxima consideração. Um círculo escuro sobre o piso do porão arruinado sugeria uma carga violenta dos céus, e era nesse local que um grupo de aldeões curiosos estava a examinar com lanternas uma caixa pequena de fabricação antiga, que a explosão do raio trouxera à luz.
Cessando minhas contorções fúteis e sem sentido, observei os espectadores enquanto olhavam o pequeno tesouro e obtive permissão para compartilhar de suas descobertas. A caixa, cujo fecho tinha se partido com o golpe que a desenterrara, continha alguns papéis e objetos de valor, mas eu só tinha olhos para uma coisa. Tratava-se da miniatura em porcelana de um homem jovem usando uma peruca caprichosamente encaracolada, a qual portava as iniciais “J. H.” Quanto à face, sua conformação era tal como se eu estivesse a me olhar no espelho.
No dia seguinte, trouxeram-me a este quarto que tem grades nas janelas, mas tenho sido informado sobre certas coisas por um homem velho, de mentalidade rude, por quem nutro simpatia desde a infância, o qual, tal como eu mesmo, também é amante de cemitérios. O que ousei relatar de minhas experiências na cripta trouxe-me apenas sorrisos de piedade. Meu pai, que me visita com freqüência, assevera que em tempo algum atravessei o portal lacrado pelas correntes e jura que, quando o examinou, o cadeado enferrujado tem estado como sempre esteve ao longo de cinqüenta anos. Chega mesmo a dizer que toda a comunidade sabia de minhas idas ao túmulo e que eu era muitas vezes vigiado enquanto dormia na clareira da encosta, meus olhos semicerrados fixos na fenda que conduz ao interior. Contra essas afirmações não tenho nenhuma prova tangível, até porque a chave para o cadeado se perdeu na luta durante aquela noite de horrores. As coisas estranhas do passado que aprendi durante aqueles encontros noturnos com os mortos ele as reputa como meros frutos de minha vida pregressa de onívora perscrutação sobre volumes antigos da biblioteca da família. Não fosse pelo meu velho serviçal Hiram, eu hoje estaria convencido de minha loucura.
Mas Hiram, leal até o fim, conservou sua fé em mim e fez aquilo que me impele a trazer a público pelo menos uma parte de minha história. Há uma semana, ele quebrou o cadeado que prende a porta da tumba em sua posição perpetuamente semicerrada e desceu com uma lanterna até as profundezas sombrias. Sobre uma laje, numa alcova, encontrou um velho mas ainda vazio caixão cuja inscrição deslustrada contém uma simples palavra: Jervas. Nesse caixão e nessa cripta é que me prometeram que serei enterrado.

***


Sobre o Tradutor

Renato Suttana é doutor em Letras e professor de Literatura Brasileira na Universidade Estadual do Centro-Oeste (UNICENTRO), em Guarapuava-PR. É autor de Uma poética do deslimite: o poema como imagem na obra de Manoel de Barros (dissertação de mestrado, PUC-MG, 1995), de João Cabral de Melo Neto: o poeta e a voz da modernidade (tese de doutorado, UNESP-Assis, 2003) e do livro de poesias Visita do fantasma na noite (2002). Suttana também mantém seu site na web: http://www.arquivors.com. Contatos com o tradutor podem ser feitos pelo e-mail: rsuttana@arquivors.com

Fonte

Este conto foi baixado e postado neste blog a partir do arquivo em formato pdf disponível no SiteLovecraft (http://www.sitelovecraft.com/). Os arquivos são domínio público, logo não estamos ferindo nenhuma licença ou direitos autorais. Agradecemos ao SiteLovecraft e ao tradutor Dr. Renato Suttana, por divulgarem livremente cultura de boa qualidade com são as estórias de Lovecraft. Aqui também buscamos disponibilizar o máximo de conteúdo sem cobrar nada por isso.

      Uma Mensagem Importante

Jervas Dudley, o protagonista deste conto de H.P. Lovecraft, teve um fim triste e trágico. Acabou considerado louco por todos, incluindo seu pai, sendo confinando em um asilo. O jovem Jervas blasfemou e desprezou as regras de Deus e da Natureza.
Teriam sido estas as causas de seu fim horrível? Talvez sim, pois seria um tipo de castigo, isso dependeria da intensidade de seus pecados citados e da sua atitude, por exemplo, em não buscar perdão e não tentar se redimir. Mas talvez não, poderia ser um tipo de provação, mas que ele resolveu não enfrentar e apenas aceitar, tornando-se uma vítima de uma oportunidade de crescer, optando por sofrer, ao invés de superar a situação e tornar-se mais forte, maduro.
Nunca se deve blasfemar, se você o fez, desculpe-se com Deus. Não blasfeme contra o Espírito Santo, pois para esse tipo de blasfêmia não há perdão.
Também não despreze a Deus, às suas regras, leis e mandamentos, se você faz isso, está decepcionando a Deus, pois Ele entregou o seu próprio filho, Jesus, para morrer por cada um de nós, incluindo você, e o que você faz? Despreza-o? Não faça isso, desculpe-se com Deus se você já o desprezou, ele te perdoará, mas não o faça novamente.
Tente criar uma ligação, uma relação, um vínculo com Deus, Ele é o seu Criador, Salvador, Inspirador, Pai e melhor amigo, seja o melhor possível para Ele, pois você pode ter certeza de que Ele é maravilhoso contigo.
Por mais que a vida seja dura, e realmente é, Ele está te ajudando, e cada situação difícil será como uma oportunidade para você crescer, se tornar mais forte, como se estivesse passando por um treinamento, tendo Deus como seu guia e seu aliado em cada batalha. Como se você fosse uma flor crescendo no deserto, tendo Deus como seu o homem que te rega e te deixa ficar cada vez mais forte, para um dia se tornar o mais belo (em todos os sentidos possíveis) possível.
O destino de Jervas não é nada comparado ao daqueles que negam a Cristo, pois o resultado disto será um sofrimento que perdurará para sempre, enquanto aqueles que o seguem terão a vida eterna com Deus.
Mas não esteja com Deus apenas para se agradar com a vida eterna, fique com Ele porque você é uma criatura feita por Ele e para Ele, apenas seja grato e o siga, Ele é o melhor que existe dentre tudo o que há nesse existir, pois ele é o Autor da Existência.
João disse referindo-se a confessarmos, assumirmos para Deus, que pecamos, e demonstrando arrependimento: “Se confessarmos os nossos pecados, Ele é fiel e justo para perdoar os nossos pecados e nos purificar de toda injustiça.” (1 João, 1:9).
“Porque Deus tanto amou o mundo que deu o seu Filho Unigênito, para que todo o que nele crer não pereça, mas tenha a vida eterna.” (João, 3:16).

Fonte da Imagem: Blog Com Shalom


Referências

A TUMBA. hplovecraft.com.br. Disponível em: <http://hplovecraft.com.br/contos/a-tumba/>.  Acesso em 20, set. 2017.

Bíblia Online. Disponível em: <https://www.bibliaonline.com.br/>. Acesso em 12, set. 2017.

www.sitelovecraft.com. Acesso em 20, set. 2017.


Parabéns pelo seu interesse em conhecer uma nova (hi)(e)stória e em aprender algo novo, volte sempre. 

Deus seja louvado!!!

DMSF.